quarta-feira, 30 de junho de 2010

Relato de uma fóbica social

Estava ela sentada num banco enquanto lia algo de maneira desinteressada. Revistas cheias de futilidades, mas ela nunca tinha deixado de admitir a si própria que precisava daquilo.
Porém naquele dia não estava focada, como alguém que se percebe tão irrelevante para o resto do meio que sente-se fora do próprio corpo e afinal, desde quando pessoas sem corpo precisam de maquiagem e tinturas pro cabelo?

Largou então a revista e foi andando pelo shopping, que a ignorava. Era recíproco, uma vez que ela andava como se nem mesmo sua consciência a acompanhasse. Não notava nem a si própria, quem dera o ambiente pelo qual vagava desnorteada.

Estava pronta para agir de alguma forma. Era a hora, tudo deixaria de ser abstrato e ela acordaria daquele transe que só não incomodava porque já não mais podia sentir qualquer coisa. Finalmente criou coragem para que toda a pressão se convertesse em estresse:

- Oi, tudo bem? Abordou ela uma colega da sua classe no colégio com quem nunca tinha trocado palavras.

terça-feira, 29 de junho de 2010

"É só brincadeira..."

Um rito ordinário e desgastante. O "é só brincadeira" está bem incorporado nos costumes gerais dos inseguros, e tanto é comúm, que é aceito com naturalidade por aqueles que o encaram.

Quando usado excessivamente, comprova não só a falta de perspectiva fixa, que é normal, mas também o insuficiência lógica na conduta de um indivíduo. Trata-se, em última análise, de uma ausência de força de vontade designada à realidade, uma fuga comprometedora do sentido das ações realizadas.

É importante ressaltar que o "é só brincadeira" não necessita ser dito para estar presente numa situação, afinal a mesma é justificada pela transmissão dos seus efeitos e não pelas próprias palavras.

O humor é muito aproveitável. Podemos dizer até que as situações mais agradáveis e valorosas do nosso dia-a-dia correspondem a fatos cercados de piadas. Entretanto o "é só brincadeira" acaba definindo com rigidez e descaso situações complexas, delicadas ou polêmicas e prejudica a relação locutor-receptor.

Não se sabe até em qual ponto podemos tentar desvincular da nossa cultura esse rito, que é causa de muito conflitos e malentendidos, porém, podemos concluir que seus meios são egoístas e pouco interessantes para a criação de meios socialmente abertos e saudáveis.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Sobre Alberto Caeiro e sua filosofia não-filosófica...

Realmente eu assassinei a proposta do blog agora: já é a segunda postagem sem nada de dissertativo e crítico. Esse é mais um texto vago, sem crítica ou análise, até porque não me vejo mais muito capaz de matematizar as ocorrências que se apresentam a mim. Leio meus textos anteriores e não concordo com a maioria deles!

Com isso só chego na conclusão que pensar demais limita, bom mesmo é aprender sentindo e fazendo, tomando as precauções básicas das quais sei que consigo desenvolver com naturalidade.

Para traduzir essa redenção da razão pura e absoluta às experiências sensíveis, vou conversar um pouco com Alberto Caeiro, um dos heterônimos do poeta Fernando Pessoa.

Caeiro vivia num ambiente rural e pouco se relacionava com valores possessivos, ou melhor, com quaisquer valores se não o valor de não ter valores. Sua única filosofia era a de rejeitar qualquer filosofia, admitindo portanto sua humanidade e nem por isso se entristecendo, pois nenhum extremo sentimental era aceito por ele.
Sua mensagem é simples e direta: "Não pense!"

"Pouco me importa.
Pouco me importa o que? Não sei: pouco me importa."

Pasme, esses dois versos tão indiferentes são um poema inteiro. O sujeito realmente não estava preocupado com nada se não viver desvinculado de atitudes românticas e radicais. Desejava simplesmente evitar essa ciência toda e tocar sua vida de "poeta da natureza".

Note que ele nem se considerava artista, pois também fugia de magnificações nas suas obras:

"E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...

Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma."


Era brilhante como Fernando Pessoa evitava sua contradição, pois uma vez que Caeiro fosse tão prático, por que escreveria poemas e os mostraria a outras pessoas? Ele deveria ter somente uma única crença e guarda-la para suas próprias ações. Porém a justificativa fica na indignação despertada quando via seres-humanos centrados demais nas suas linhas hipotéticas artificiais em demasiado.

Também é com muito estilo que o poeta nos transmite sua passividade sobre as ideias, no caso o incômodo na presença de indivíduos pouco naturais:

"Acho tão natural que não se pense,

Que me ponho a rir às vezes, sozinho,

Não sei bem de quê, mas é de qualquer cousa

Que tem que ver com haver gente que pensa ...

Que pensará o meu muro da minha sombra?

Pergunto-me às vezes isto até dar por mim

A perguntar-me cousas. . .

E então desagrado-me, e incomodo-me

Como se desse por mim com um pé dormente. . ."

(mas também...)

"Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira"

(Achei incrível, você não?)

-----------------------------------------------------------------------

Apesar dessa postura tão definida, ele admite até algumas mudanças, alguns sentimentalismos de vez enquando. Afirma, Caeiro, que é natural do ser-humano se movimentar, sentir alguns pequenos exageros, porém são raros e devem ser levados como parte do fluxo de ocorrências espontâneas da nossa vida, e não como acontecimentos extraordinários, uma vez que essa interpretação é prejudicial a nossa conduta natural.

Ta aí:

"Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao sol
De que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite
E as flores são cor da sombra (...)

Reparem bem para mim:

Se estava virado para a direita,
Voltei-me agora para a esquerda,
Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés (...)"

----------------------------------------------------------------------------------

O heterônimo realmente muda, tanto muda que mesmo ele, o poeta sem extremos, se apaixonou por uma mulher e se sentiu todo estimulado e, logo, desequilibrado. Seria extremamente interessante se ele realmente tivesse existido, hehehe.

Vou colocar alguns trecho bem bonitos sobre o sentimentos, dos quais me identifico muito, aliás:

"Todos os dias agora acordo com alegria e pena.
Antigamente acordava sem sensação nenhuma; acordava.
Tenho alegria e pena porque perco o que sonho
E posso estar na realidade onde está o que sonho.
Não sei o que hei de fazer das minhas sensações.
Não sei o que hei de ser comigo sozinho.
Quero que ela me diga qualquer cousa para eu acordar de novo."

(Sabe quando a gente lê algo e pensa: "SOU EU!!"? Então... rsrs)

"Amar é pensar.

E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela. (...)

(...) Quando desejo encontrá-la

Quase que prefiro não a encontrar,

Para não ter que a deixar depois."

Embora esse comprometimento de sua indiferença, ele manteve-se forte nas opiniões:

"Tu não me tiraste a Natureza ...

Tu mudaste a Natureza ...

Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim,

Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,

Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as cousas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou. "

----------------------------------------------------------------------------

Paixão o desequilibrou, mas ele não se arrepende, nem do antes, nem do agora. Portanto nem sempre desequilibrio é ruim, desde que o administremos, não deixando-o evoluir para a falta de controle.
Sinceridade e naturalidade são essenciais para que esse amor torne-se algo saudável, independente da sua concretização.

(Opa, até consigo dissertar ainda ^^)

Espero que alguém goste do texto, até!